Literalmente, expulsão de casa foi exatamente o que ocorreu aos imigrantes japoneses, italianos e alemães moradores da cidade de Santos, no dia 18 de julho de 1943, por ordem do Governo Federal de Vargas, em plena 2ª Grande Guerra Mundial.
A ordem, irreversível, era para cumprimento imediato de evacuação desses imigrantes da cidade no prazo máximo de 24 horas. Mais de seis mil e quinhentas pessoas eram os japoneses atingidos pela medida. “De repente, tiveram de sair da casa onde moravam, obrigados a deixar tudo… a irem embora apenas com a roupa do corpo!”, contou Shieko Sakuma, esposa de Roberto Sakuma que tinha apenas sete anos quando sua família passou por essa tragédia.
O estopim dessa ordem tem a ver com navios mercantes brasileiros e americanos afundados por alemães nas águas de Santos e cadáveres de brasileiros encontrados em suas praias.
Assim, repentinamente, os imigrantes desses três países do Eixo tiveram de sair de suas moradas, parte indo para casas de familiares no interior do estado e parte para a Hospedaria dos Imigrantes por trens já devidamente preparados para levá-los. Ou seja, foram espalhados por todo o Estado de São Paulo, uma das razões para desconhecimento público tão longo dessa tragédia. As outras podem ter a ver com a personalidade típica do japonês de não se expor por fatos constrangedores do passado, como ocorreu ao caso da Shindo Renmei.
Se bem que também não há conhecimento sobre alguma iniciativa semelhante por parte das comunidades, italiana ou alemã, imigrantes no Brasil em relação à mesma ocorrência de Santos.
Descoberta acidental traz à tona o ocorrido aos imigrantes… japoneses
Antes dessa fatídica data, a comunidade nipo-brasileira da cidade portuária de Santos vivia tempos de muita paz e de integração a tal ponto que construíram uma escola japonesa exemplar para atender aos seus filhos. E era de porte tão razoável que, após confiscada pelo Exército brasileiro, na época, e devolvida apenas recentemente, hoje, é sede da Associação Japonesa de Santos.
O que nunca se imaginara é que, naquela escola japonesa, havia um japonês, Akio Yanaguizawa, com passagens em outros países, via consulados japoneses, que resolveu fazer uma lista completa dos chefes de famílias residentes na cidade e até… “para onde haviam se mudado após a deportação, com máximo de detalhes possíveis” (do livro-programa, do documentário), e que fora encontrada, acidentalmente, em 2016, pelo pesquisador e cineasta japonês Yoju Matsubayashi, num canto da atual associação, em visita feita por ele. Como teve constatou que 60% tinham sobrenomes característicos de Okinawa, pediu apoio ao jornalista Masayuki Fukazawa que, com ele, formando uma equipe, contataram a Associação Okinawa Kenjin do Brasil, para exporem suas descobertas. Na associação, conheceram dois pesquisadores okinawanos de Santo André já familiarizados com o assunto, como Akira Miyagui e Isamu Yamashiro, que de imediato aceitaram aderir ao grupo para busca de mais depoimentos de testemunhas ainda vivas, vítimas dessa atrocidade.
O resultado foi impressionante e as informações coletadas pela comissão foram de tamanha valia que a consequência foi um minidocumentário, previamente, apresentado no Japão para, finalmente resultar nesse atual, de hora e meia.
Okinawa Santos, o lado obscuro da história oculta da imigração – documentário.
A primeira exibição mundial desse documentário, portanto, ocorreu no dia 21 de agosto de 2022, num domingo, na Associação Okinawa Kenjin do Brasil, em única sessão. O público que compareceu foi surpreendente aos organizadores que, por ainda não se tratar de assunto de conhecimento geral, achavam que o conteúdo ainda não despertaria muito interesse.
“Tínhamos uma previsão, bem como um desafio para conseguirmos atrair até umas trezentas pessoas. E vieram mais de quinhentas! A fila, lá fora, chegou a virar a esquina”, revelou, surpreso, Eiki Shimabukuro, ex-presidente da associação e um dos que acabou participando da comissão.
Imaginando público menor, foi elaborada uma programação básica que, ao final, acabou surtindo efeito favorável mesmo com grande público.
Shimabukuro, também na condição de mestre cerimonial, abriu a programação saudando o público e já pedindo desculpas pelo inesperado da lotação. Em seguida, solicitou um minuto de silêncio a todos à memória dos pioneiros da imigração, bem como, às cinco pessoas que faleceram nesse interim e que foram protagonistas no documentário.
Na sequência, foi a vez de Ritsutada Takara, presidente da AOKB, fazer sua saudação ao público e desejar que o documentário atenda às expectativas dos presentes; seguido de Akira Miyagui, pesquisador nato sobre a imigração okinawana no Brasil e que abraçou fortemente a missão; para finalizar com Milton Sadao Uehara, presidente da Comissão de Exibição do Filme.
Antes da exibição do filme foi projetado na tela mensagem do diretor, Yoju Matsubayashi, diretamente de Okinawa, para onde se mudou, segundo ele, influenciado por essa pesquisa que gerou o documentário.
Após a exibição do documentário, nova mensagem de Matsubayashi agradecendo ao público por terem comparecido à exibição.
Antes do início do debate, apresentaram Anshin Takushi, recentemente homenageado com uma placa ao mérito (Hakujusha Hyoushou), porque resolveu doá-la ao museu da associação, devido à sua idade.
Depois foi a vez do promissor jovem instrumentista de sanshin e cantor, Ryuji Kuniyoshi apresentar três músicas minyôs com sanshin.
Aberto o debate, Jorge Okubaro, jornalista do Estado de São Paulo e escritor expôs sobre a importância de se trazer à tona revelações do passado mesmo que constrangedoras aos descendentes, como neste caso porque, por mais atrozes que sejam, descobertas, devem ser tornadas públicas até como referências para que não mais ocorram.
Shieko Sakuma, esposa de Roberto Sakuma, um dos cinco falecidos nesse período da pesquisa, que tinha sete anos quando sua família passou por essa tragédia, contou ainda com o agravante de sua mãe ainda estar em adiantado estado de gravidez, razão de terem recorrido para que adiassem suas partidas, mas não foram atendidos. Por isso, a irmã de Roberto acabou nascendo em Marília, poucos dias após chegarem à cidade. Finalizou agradecendo à presença de público tão grande e com um pedido para que… “disseminem ao máximo possível sobre esse acontecimento trágico aos amigos, conforme era o desejo de Roberto”, finalizou ela.
Akira Miyagi, voltou à frente para responder a uma pergunta de Testuo Shinzato sobre a razão de se trazer essas revelações somente muitos anos após ocorrido. Na mesma linha de Okubaro, Miyagi afirmou que isso é sempre necessário fazer, como aprendizado e prevenção contra repetições dessas atrocidades. Finalizou agradecendo e elogiando a todos os membros do grupo envolvidos nessa intensa, profunda e relevante pesquisa.
Como último expositor, o jornalista Masayuki Fukazawa fez pequeno rodeio sobre os EUA ter interesse no Brasil como aliado para usarem nosso país como base militar e chegarem com mais facilidade à Europa devido aos percursos limitados dos aviões na época. Sobre o escopo do dia, exortou para que algum pesquisador nikkei, ou não, pesquise no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, ou mesmo nos da CIA, onde, afirma, encontrarão a verdade sobre essa evacuação dos imigrantes dos países do Eixo, da cidade de Santos.
Para encerrar, Shimabukuro agradeceu ao público pela maciça presença, deixando aberto a possibilidade de exibições futuras, por iniciativa deles próprios ou atendendo a solicitações de associações.
Aos pesquisadores, a reportagem sugere os links abaixo:
https://www.jnippak.com.br/2020/8-de-julho-de-1943-um-dia-para-nao-ser-esquecido/
(Texto e fotos: Silvio Sano)
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